APRENDENDO COM AS CIDADES
O tema curatorial proposto originalmente "Aprendendo com Brasília" – título emprestado do livro "Aprendendo com Las Vegas" (1972), de Venturi, Scott Brown e Izenour – pautou a seleção da programação da Mostra. Passados 61 anos da inauguração, hoje parece possível pensar Brasília para além de uma compreensão congelada de patrimônio, estimulada ainda, talvez, por certo ufanismo pioneirista. Brasília continua em construção, e aprender com ela significa não apenas superar o debate em termos de êxito ou fracasso da utopia que motivou sua construção; significa acima de tudo entender o funcionamento condicionado pela singularidade de seu projeto de cidade. “A cidade precisa seguir vivendo o seu normal, ou seja, viver o seu cotidiano urbano a despeito do monumental e do midiático [...] Quando se trata de uma cidade tão singular, pensada em perspectiva tão otimista e utópica, torna-se necessário recobrar o sentido cotidiano inerente a uma cidade”.[¹]
Como então pensar Brasília a partir de um texto que representa, em tese, uma crítica das mais veementes – a própria antítese, diríamos – da doutrina modernista que serviu de base para a concepção da cidade? É precisamente este o debate que o confronto entre a Brasília modernista, racionalista e organizada de Lúcio Costa e a Las Vegas ordinária, espontânea e ambivalente de Venturi traz à tona: é no cotidiano que se aprende com as cidades, é nele que se encontram os dados do real que precisam ser elaborados e compreendidos. Ao se confrontar cidades tão distintas, a reflexão subjacente proposta pela curadoria da Cinema Urbana deste ano é que o debate formalista, aludido na relação dicotômica entre a capital brasileira e a cidade norte-americana dos jogos de azar, parece hoje ultrapassado. O vivido é que importa de fato ser pensado hoje sobre qualquer cidade, e o cinema de arquitetura é um meio privilegiado de observação crítica e reflexiva sobre os encontros, os usos, as ocupações e as (re)criações que se operam nas vivências do espaço de uma cidade.
A proposta então se ampliou para que, a partir dessas duas cidades, se pudesse pensar em todas as outras, sobre nós como "seres urbanos", como nomeia o arquiteto português Nuno Portas. A questão que se coloca é o que podemos aprender com as cidades em que estamos vivendo e construindo?
Por André Costa, pesquisador e curador de cinema de arquitetura, mestre em cultura contemporânea e doutor em cinema brasileiro pela FAC-UnB, professor do Departamento de Expressão e Representação da FAU-UnB.
_______________________
[¹] ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília-patrimônio: desdobrar desafios e encarar o presente.Artigo apresentado originalmente no seminário do Docomomo Sul, março de 2013, Faculdadede Arquitetura da UFGRS, Porto Alegre. < https://www.archdaily.com.br/br/artigos>