Sopram os ventos dos redemoinhos: são elas, são tantas, unidas que chegam e dançam, para anunciar as espirais dos novos tempos e das histórias que querem contar!
No gesto sensível e complexo que tem como ponto de partida refletir e evidenciar o protagonismo das mulheres no cinema, a edição especial Mulheridades da Cinema Urbana - Mostra Internacional de Cinema de Arquitetura, celebra e conecta em sua programação as múltiplas formas de ser e se fazer mulher, ao ampliar nossas perspectivas de linguagem, evidenciando a diversidade de narrativas, estéticas, formas de produzir, dirigir e atuar, que extrapolam e tensionam a relação com os padrões ditados pelo cinema hegemônico patriarcal e que fortalecem a nossa (re)existência política, ancestral e artística em teia.
Nesse percurso onde ventilamos possíveis caminhos de pertencimento e de emancipação da nossa identidade, dos nossos desejos e de territórios corpóreos e imaginários, reunimos nesta programação 50 filmes, entre curtas e longas metragens, de 15 países como Brasil, Líbano, Angola, Japão, Costa Rica, França, Chile, Argentina, EUA, entre outros. Todos os filmes se entrelaçam em 27 sessões que acontecem tanto ao ar livre quanto na sala de cinema do CCBB Brasília, entre os dias 13 a 26 de setembro.
Tivemos o desafio cuidadoso de reunir nessa programação realizadoras veteranas e da nova geração que inspiram e ousam em seu cinema. Abrimos nossas honrarias, ao homenagear a pioneira do cinema narrativo Alice Guy, na qual dedicamos a sessão ‘’Eu sou um instante que dura, um instante sem duração”, que será realizada em duas partes: parte I - com exibição do longa biográfico Be Natural: The Untold Story of Alice Guy-Blaché, da diretora Pamela B. Green (EUA) na sala de cinema e parte II - 13 curtas-metragens originais dirigidos pela Alice Guy com trilha sonora ao vivo na sessão ar livre.
Na mesma toada, evidenciamos outras veteranas inspiradoras do cinema como Noami Kawase, Anna Muylaert, Sara Gomez, Cristina Amaral presentes na sessão ‘’As conchas que carrego para casa’’, Agnès Varda com seu curta arquitetônico erótico na sessão “Com amor e tesão”, Chantal Akerman com seu longa La-Bas no duo intimista com o curta Rebu, da diretora pernambucana Mayara Santana na sessão ‘’O que não cabe mais no peito’’, Sarah Maldoror com seu levante de independência Sambizanga na sessão “Mulheres Negras Movimentam Estruturas”.
Entre a nova geração, manifestamos a liberdade de ir, vir e ser pela a emancipação de nossas corporalidades. Somos desejo e coragem, resistência e revolta, somos quem quisermos ser. Nesse sentido, destacamos a sessão ‘’A diaba na rua, no meio do redemoinho’’ com curta-metragens brasileiros dirigidos por Clari Ribeiro, Yasmin Tainá, Wara, Rafaelly La Conga, Estela Lapponi e Ila Giroto e a sessão “Ver, Rever e Transver”, com curtas estrangeiros das realizadoras Mati Diop, Payal Kapadia, Kantarama Gahigiri, Valeria Hoffmann e Everlane Moraes.
E explicitando a volúpia dos prazeres, exibiremos as sessões libidinosas “Com amor e Tesão”, com curtas-metragens de Agnés Varda, Éri Sarmet, Barbara Hammer, Isabela Sandoval e Renata Gąsiorowska que evidenciam a necessidade do gozo como autocuidado e na vitalidade dos nossos afetos e “Entidades Semoventes” com a exibição do longa-metragem Titane, da diretora Julia Ducournau.
Também destacamos a conexão do cinema norte amazônico e do centro-oeste, na sessão ‘’Um rio chamado tempo’’ com a exibição do curta-metragem A velhice ilumina o vento, de Juliana Segóvia e do longa-metragem ‘’Para ter onde ir’’, de Jorane Castro. Outros destaques do centro-oeste é "Mato seco em chamas", de Adirley Queiros e Joana Pimenta, uma codireção luso-brasileira que retrata uma distopia sobre as Gasolineiras da Kebrada e a sessão ‘’Nossas vozes ecoam e vibram’’ com os filmes "Me Farei Ouvir" de Bianca Novais e Flora Egécia e "Chão", de Camila Freitas. São tantas paisagens e territórios que se conectam a essa teia cinematográfica, que também destacamos o precioso e caribenho Ceniza Negra, da diretora argentina Sofia Quirós, que será exibido na sessão “O Silêncio da Mordida”.
Em celebração ao Dia nacional da luta da pessoa com deficiência, teremos em 21 de setembro uma sessão acessível com recursos de acessibilidade abertos seguida de debate, com a finalidade de promover visibilização deste tema tão importante. A sessão especial será formada com filmes presentes em outras sessões, como "A velhice ilumina o vento", de Juliana Segóvia, "Escasso", de Gabriela Gaia Meirelles, "La Hemi", de Ila Giroto e Estela Lapponi, "Jussara", de Camila Ribeiro e "O tempo é um pássaro", de Yasmin Thayná. Além desta sessão, outras serão precedidas ou sucedidas de debate, sendo um total de três atividades como essa. Um outro debate sobre narrativas íntimas e memórias, acontecerá entre as sessões "um rio chamado tempo" e "as conchas que carrego para casa", e mais um outro será sobre afeto e sexualidade, entre as sessões "com amor e tesão" e "entidades semoventes: tudo que tem fim é um começo".
Saindo da sala de cinema, nos finais de semana, de sexta a domingo, teremos exibições em telão ao ar livre no jardim e live projection como projeção mapeada no prédio projetado por Oscar Niemeyer do CCBB Brasília. Serão cinco sessões de cinema ao ar livre, na qual exibiremos entre elas as sessões ‘’Pra onde ir, Porque ficar?’’ com dois filmes premiados, o curta-metragem Escasso, de Gabi Gaia e Clara Anástica e o vencedor do Oscar Nomandland, de Chloé Zhao, e "Minha natureza é feita de curvas e retas, de silêncio e de grito", com a estreia do longa-metragem Fernanda Young: Foge-me ao controle, da diretora Sussana Lira que será exibido com curta Mulheres Palestinas, da realizadora libanesa Jocelyne Saab.
Já a live projection trará uma performance ao vivo de recriação narrativa audiovisual com loops dos filmes em exibição. A apresentação será executada por Mari Mira em uma projeção mapeada na fachada do edifício, criando uma experiência imersiva e inovadora. Além disso, o Coletivo Eixona, com Pati Egito e Isadora Perigo, fará a discotecagem durante o evento e a festa ao final neste mesmo dia.
E ultrapassando os muros do CCBB, no dia 28 de setembro, faremos uma ação coletiva de revitalização da Praça do Reggae, em São Sebastião, com uma festa do Coletivo Jamaicana, com Pati Egito, Mari Mira e Savannah, ao final. A pesquisa sonora de ambos os coletivos foca em dar visibilidade à produção musical de artistas mulheres e LGBTQIA+ do sul global.
Preparamos também uma sessão para o público infantil com os filmes "Òrun Àiyé – a criação do mundo", de Jamile Coelho e Cintia Maria, "Jussara", de Camila Ribeiro, "Macurus", de Julia Vellutini e Mateus de Jesus e "Opy'i Regua", de Júlia Gimenes e Sérgio Guidoux. Nesta sessão nos preocupamos em trazer narrativas diversas como um apontamento para histórias para futuras gerações, carregadas de diversidade.
A proposta desta edição especial é compartilhar, multiplicar, disseminar, sem objetivo de ser um fim si, mas sim uma abertura para múltiplas visões. Ao propormos uma curadoria recortada em seções nomeadas, esperamos que o público possa refletir sobre esses recortes e sobre outros títulos que poderiam compor essas programações. A nossa proposta é espiralar, desejamos outras formas de visualizar esse mosaico. Para os títulos das sessões nos inspiramos livremente em Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Mia Couto, Angela Davis, Manoel de Barros, Hilda Hilst, entre outros.
Essa é uma curadoria de força centrífuga, espalhamos para fora de nosso centro criador a sua força criativa. Para criação do imaginário, foi fundamental nos apoiarmos nas mais diversas mulheridades do centro do país e por isso evocamos aqui ao fim deste texto tantos nomes quanto sejam possíveis, pois seria impossível listar todas aqui, por isso indicamos a publicação Águas Correntes: Mulheres no Audiovisual do Centro-Oeste, publicada pela Editora da Universidade Estadual do Goiás (UEG), que se jogou no esforço desse mapeamento.
Daniela Marinho e Thay Limeira